segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Capitu em falas

Morri de amor
Não há enigma em minha história...                           
Há estigma na nora inglória...
A marca da mulher “adúltera”
Depreciou meu nome inocente
Que sem reputação... a todos chocou...
Além de minha afilhada...
Jamais posto em alguém...
Morri rara na espécie desumana.
A palavra de marca infamante
de saudades do amor me matou
Foi para sempre incandescente...
No fogo que me colocou...


Carmem Lúcia






Suposto adultério

Saí dos limites da literatura.
Hoje sou forma-mentis...
Tornei-me viva.
na releitura instigante,
na trama com ‘as flores do rancor’
E na perda da ‘força do perdão’...
O amor e o ciúme
Julgam numa cortina
Qual é minha verdade...
E questionam ‘o fruto está dentro da casca’?
Máxima referência humana: o mistério...
Condenada por um suposto adultério...

Carmem Lúcia
 
Carmem Lúcia 

O texto abaixo foi escrito após a leitura dos diamantes do auto-conhecimento - dinâmica desenvolvida - feitos pelos participantes do Workshop: "Defesa da Capitu", em Dois Córregos, situação em que foi refletida a intenção de Machado de Assis sobre o tema adultério, acompanhada da análise psicológica das personagens, e, assim, incentivar a cada um que busque seu eu central, que se questiona, num intenso movimento interior.
 
Diamante do autoconhecimento

Em meio à multidão de idéias
A vida e os riscos,
Os sonhos e os rabiscos...
No diamante do auto-conhecimento
Em que a fonte é mais que o momento.

Da traição em Dom Casmurro, só desculpa
Para a ansiedade frágil sentir-se oculta
E só ao criar raízes na psique
Além da ficção...
Do workshop  à reflexão.


Em Dois Córregos,
Na Usina de Sonhos...
Chegamos do  externo ao interno...
A mente  mais generosa e crente
No semblante de tanta gente diferente...

Agora... com  segredos em  porta-joias
Compõe-se melhor a Capitu
E quem sabe recheada ...
Em elo com Botucatu
Obra inacabada.

Absolvida por unanimidade
Partiu "daí" mais comprometida
E se da essência pessoal conseguiu emergir o que sente
E o estranho de si abolir
Jamais há de fugir por difamação aparente...

Todos somos o que somos,
Isto dá a liberdade de pelos sonhos partir
E na honra pessoal priorizar
De braços dados o interno e o externo
Na leitura o ser  transformar.

Carmem Lúcia




Capitu traiu ou não? (texto adaptado de leituras diversas) 
“Capitu pertence ao grupo de personagens que se impõem ao companheiro masculino e passam a encarnar alguma qualidade considerada peculiar à mulher, característica de um comportamento ou atitude, tornando-se, por esta razão, de alguma maneira exemplar e representativa.”
No livro: Dom Casmurro as personagens Bento e Capitu tornam-se mais conhecidas que a história de que participam e encarnam procedimentos e conceitos que extrapolam o livro em que aparecem.
Seria a narrativa inventada por Machado de Assis fruto de sua habilidade artística, apenas? Haveria referência à vida real ou a outras obras?
A história é contada por Bento Santiago, idoso e desiludido com fatos que acredita que a vida lhe aprontou. “Dom Casmurro”, apelido conferido a ele por um poeta, incomodado com a reação de Bento, que demonstra desinteresse e enfado ao ouvir poemas do outro, é sintomático o estado de espírito na velhice e de sua solidão. A história é cheia de encanto, pois apresenta o desdobramento de um amor adolescente: a descoberta da paixão por Capitu, os impedimentos que afastam os dois jovens, a luta para superar os obstáculos familiares e religiosos, o casamento e seus resultados.
As ações próprias ao romance romântico são reconhecidas no enredo: dois jovens que se amam sofrem pelas circunstâncias alheias a eles às quais dificultam a vida em comum deste par apaixonado. As circunstâncias são muito comuns: Capitu é pobre. Bentinho é rico. Machado introduz um tempero a mais, como suplemento: a promessa da mãe de Bentinho, feita quando este nasceu, proíbe o casamento do filho, pois será padre.
As ações de apresentação dos problemas e busca de solução até chegar ao final desejado é que preenchem dois terços da narrativa e caracterizam o célebre casal: Bento e Capitu, exemplo de obstinação amorosa, perseguição do objetivo e alcance do desejado, apesar dos oponentes...
Não houve ‘happy end’ como de esperar devido à surpresa final do casamento frustrado pela suspeita e depois certeza suposta, por parte do ciúmes de que o filho é filho de Escobar, seu melhor amigo.
A narrativa dos acontecimentos vai quebrando e desarticulando a imagem romântica vinda daquele amor proibido.
O narrador-personagem, Bentinho, não consegue convencer o leitor de que suas acusações são justas e Capitu torna-se a personagem mais controvertida e enigmática da literatura brasileira.
Na sequência, Capitu é acusada pelo marido e passa ao papel de mulher adúltera.
Bentinho, um homem atraiçoado pela esposa e pelo amigo, sente-se vítima da vida e se desilude, vive sem ideais e na solidão.
Todo o glamour romântico que imita o amor adolescente é trocado pela amargura, julgamento e solidão.Este casamento não se desfez apenas pela traição, mas pela dissimulação de Capitu ao ser julgada em adultério com o melhor amigo do marido, o Escobar.
Desde o início do romance, em que Capitu aparece como ‘oblíqua e dissimulada’, capaz de fingir sedução para alcançar seus objetivos; e Ezequiel, filho de Bento e Capitu, assemelha-se fisicamente a Escobar, parecença confirmada mais tarde, quando Bento o reencontra jovem.
Bentinho não convence o leitor de que Capitu o enganou; Escobar já está morto quando o marido acusa... e Capitu nega até o final. Além disto o leitor deixa-se seduzir por Capitu, somando a falta de evidências do crime, podendo assim amenizar o julgamento. Há a conquista do leitor.
Machado foi muito criativo, na sociedade brasileira do século XIX, em que o conservadorismo e machismo prevaleciam e justificavam ter todas as razões para rejeitar a mulher que o enganou.
Ao longo de 148 capítulos, Bentinho conta, em primeira pessoa, sendo provável que o seu ponto de vista, imparcial, possa convencer o leitor, mas impõe a barreira do silêncio para a personagem Capitu... que não recebe crédito ou palavra de defesa.
O processo de sedução, embrenhado na força que envolve a imagem do amor adolescente com toda energia que ultrapassa as dificuldades... pára... Capitu permanece a mesma do início ao final... cativando até o frio José dias, agregado da família de Bentinho.
O interesse do leitor talvez seja por ele poder dar o final que queira, sendo co-autor/criador do desfecho... O problema não é resolvido...
A acusação que separa os dois personagens mais ilustres da literatura brasileira mostra que as relações humanas podem ser, por um mito ou um equívoco de comunicação... ou por um impulso...bloqueadas e responsáveis pela infelicidade, solidão e insegurança na trajetória toda da pessoa... tanto a que acusa quanto a que é acusada.Vive, mas perde a linha de ida que só a vida tem... impedindo o progresso, por esta barreira, a partir do pessoal ao familiar...
Seria a vida diferente se houvesse melhor comunicação... ou, assim, pior por serem tomadas decisões radicais?
O perdão e o ouvir o outro podem ser lenitivos confortantes e reconduzirem... aos acontecimentos naturais...
Helen Caldwell demonstra as impregnações Shakespearianas do romancista brasileiro, além de tentar, imaginosamente decifrar alusões escondidas por detrás dos nomes próprios empregados por Machado de Assis. Assim : Santiago seria composto de Santo+Iago, fusão do bem e do mal que existem em cada um de nós, já que em Othelo, Iago representa a consciência perversa que atormenta o bom Othelo.
Machado de Assis restaura a seu modo o triângulo amoroso, um dos mais fortes componentes da tradição romanesca. Entretanto, ocorre uma triangulação ideal que traduz a certeza de uma mente conturbada, a de Bentinho, que resulta o seu discurso mesclado de subjetividade e de ressentimento...
Um caso de memórias.... que nos intriga: por que relatar um fato passado para restabelecer a verdade, ainda que esta não passe de uma transitória e vulnerável verdade subjetiva?
A arte de Machado de Assis faz-nos ver um duplo, ambiguidade... nos três que são a parte nuclear do romance: Bento-Capitu-Escobar.
Numerosas reflexões sobre a arte de escrever e de narrar podem ser encontradas ao longo de Dom Casmurro. Por exemplo, a questão do estilo equilibrado entre o aticismo do documento e o asiatismo da paixão incontrolada: ‘ Há nisto alguma exageração; mas é bom ser enfático, uma ou outra vez para compensar este escrúpulo de exatidão que me aflige. Entretanto, se eu me ative só à lembrança da sensação, não fico longe da verdade; aos quinze anos, tudo é infinito’.(capL)
O narrador delega ao leitor a tarefa de preencher as lacunas, pois ‘ tudo se pode meter nos livros omissos’( v.cap.LIX). a seguir, no cap LX, vamos encontrar uma espécie de profissão de fé no realismo interior: ‘ Já agora creio que não basta que os pregões de rua, como os opúsculos de seminário, encerrem casos, pessoas e sensações; é preciso que a gente os tenha conhecido e padecido no tempo sem o que tudo é calado e incolor’. E adiante, o relator bate tecla da ambiguidade, acentuando, como é do seu gosto, a natureza relativa das coisas, vida e arte: ‘...mas nem tudo é claro na vida ou nos livros’. (cap LXXVII).
Há também a interpretação de que a personagem narradora intenta redimir-se de um fracasso contando-o enfaticamente, sob a forma de um memorial de acusação, e assim toda a galeria de personagens, coada por uma sensibilidade, busca projetar-se na consciência dos destinatários da mensagem, os leitores.
O capítulo: ‘Os vermes’ contém uma forte representação da impassibilidade do tempo em seu fluir, inteiramente indiferente às substâncias dos textos ruídos, mas a vacuidade dos textos e da força vital  não se mostram suficientes para conter o impulso da escrita.
A elaboração prospectiva da imaginação se alimenta em grande parte dos resíduos acumulados da memória; “Donde concluo que um dos ofícios do homem é fechar e apertar muitos olhos, a ver se continua pela noite velha o sonho truncado da noite moça’ . (cap.LXIV)
Sendo o núcleo do núcleo narrativo o depoimento de Bentinho, personagem narradora, podemos admitir que seu discurso contém um problema de identidade e de autoconhecimento. Vale dizer que a confissão literária é o veículo atravessado pela reflexão da personagem sobre si mesma.
Se os motivos do Panegírico de Santa Mônica (Cap. LIV), do soneto (Cap.LV)
Não deixa de exaltar na arte uma ilusão às traições da vida.
O drama do autoconhecimento implica uma captação contínua da própria imagem buscada nos olhos dos outros. Então, conhecer-se ficará dependente do reconhecimento praticado pelos outros.
Há idas  e vindas em busca do ‘eu central’ que se questiona... num intenso movimento interior...perdido...
Bentinho tem atitudes de ter seu ‘eu’ distribuído nas personagens que o cercam... em partículas e impressões ao dar satisfação e viver pelos outros...
E para recompor-se de seu fracionamento... este homem fragmentado, apela para a colaboração de todos... Destina-se a perpetuar... como vítima coreograficamente, perante as gerações. Dançando significados diferentes, enquanto ensina, comove e deleita...
Carmem Lúcia
Minha alma
Minha alma flor
Minha alma borboleta
Minha alma Vênus Capitolina
Minha alma cheia de mulheres
Escolhe ser só menina
Com nexo, sexo, coração, mente
Entre idas e regressos
Sujeito e objeto
Explora todas as possibilidades do sentir
Antes fechada... hoje liberta...
Entregue à sensações inimaginadas
Devolve a si a hora, o minuto, o segundo
Sem dúvida exprime o universo interior
E entrega-se de novo ao amor.

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