segunda-feira, 31 de janeiro de 2011



Capitu, memórias póstumas.
(Baseado no livro homônimo de Domício Proença Filho)

(Início)
O Juiz se posiciona e diz:
- Diante da acusação de  adultério feita à senhora Capitolina Pádua Santiago, apresentada nos autos do processo, passamos agora à seleção dos jurados e aos votos secretos dos mesmos.

( Os sete sorteados se aproximam de seus assentos, conforme a chamada).

Neste momento o juiz começa a distribuição das cédulas onde se condena ou absolve a ré.

 Enquanto esta cena acontece no palco, no corredor do salão entra Capitu e diz:

 - Meritíssimo, eu sou Capitolina Pádua Santiago! Se Vossa Excelência me conceder o direito de defesa , colocarei a minha verdade!


O juiz responde:
-Não queres ajuda?

Capitu acentua:
-Não, excelência! Gostaria de ter direito de minha própria defesa!

O juiz diz:
-Tens certeza de que queres fazer sua própria defesa?

Afirma Capitu:
-Minhas defesas serão minhas palavras e minhas ações.

O juiz diz:
-A partir de agora está instituída a senhora Capitolina Pádua Santiago como sua defensora.

Capitu faz a narração a seguir:



Minha história é de amor em desencanto, meritíssimo!
Decorrido tanto tempo humano, posso contestar as acusações contra mim feitas pelo meu ex-marido, o Dr Bento Santiago.
Devo-lhe minhas tristezas, minhas alegrias; devo-lhe a fama e a construção negativa que me foi atribuída.
A mim coube a parte de demonstrar a emancipação da mulher e a exemplificar a afirmação do discurso feminino, apesar dos preconceitos.
Se vossa excelência um dia amou como eu amei, desejou como eu desejei, vai me entender.
Vou contar minha história com simplicidade e não vou pôr nela muitas lágrimas; até porque não guardo rancor de meu ex-marido. Apenas lamento o seu equívoco e a sua incapacidade de se comunicar.
À cláusura de meus dias, na Suíça, onde me resguardei, vendo o progresso de meu filho Escobar, reflitia que Bento Santiago nunca se encontrou, mesmo tentando em seus relatos “atar as duas pontas da vida e restaurar na velhice a adolescência”. Ele faltou-se a si mesmo. Muito inseguro, alguém tinha que ser culpado do seu fracasso existencial. Eu fui a escolhida, o bode expiatório, como se o sacrifício de uma vida humana pudesse se tornar benefício da coletividade.
Ele atuou com sutileza, dissimulação e estilo trabalhado. Passou a visão enigmática de minha personalidade, mas nunca me conheceu em profundidade; eu sempre fui um mistério para meu marido.
Pintou meu caráter de modo deletério, como interesseira, pragmática, calculista; mas quero desabafar minha sensação de injustiça pela falta de sustentação de sua acusação. Tenho este direito.
Hoje... passados os anos, ainda ecoam as observações sobre mim: “Ela é gente do Pádua, filha do Tartaruga, desmiolada” e percebo que muito da aparência vinha não da emoção, mas da culpa de em 1857... acharem que eu tinha olhos de cigana oblíqua e dissimulada...
Mexericos alimentaram a existência frustrada do pobre-diabo, Bentinho.
“A casa era dos três viúvos”: Minha ex-sogra, Dona Glória, Dr Cosme, irmão dela e a prima Dona Justina....e Bentinho cercado de proteções. Ele vivia repetindo que sua mãe era boa criatura, mas apesar da aparente mansidão e emotividade, era ela uma matriarca autoritária e dominadora...e ou castradora.
Viúva aos 31 anos, escondia “ os saldos da beleza e da juventude”: vestido escuro, sempre isento  de adornos, xale preto, em triângulo, abrochado ao peito por um camafeu, que raras vezes deixava de usar.
Assumiu o luto, preferiu permanecer viúva, hoje estou certa,era uma mulher presa à sua classe, ao seu tempo e a algumas roupas.
Pareciam felizes na casa... pose assumida como em retrato.
Meu pai ganhara na loteria e comprara este sobrado vizinho da casa de Dona Glória. “Concluo que não se devem abolir as loterias”... como na caixa de Pandora ficou a esperança, no fundo... em alguma parte da vida há de ela ficar.
Nós dois também investimos na loteria de nosso casamento

Dona Glória cercada de palavras mansas, mas fundadas em decisão que não admitia contestações... na convivência, foi tirando a máscara.
Nunca tive ilusões: tratava-me bem, mas nunca viu com olhos satisfeitos o meu casamento com o herdeiro dos Santiago.
Quando volto àquela tarde de novembro... movida pela força das palavras, éramos dois adolescentes a brincar juntos no quintal e isso nos fazia rir e nos sentir felizes.
Estávamos prontos para representar o espetáculo do percurso de nossa existência... como gostava de dizer meu ex-marido... “ a vida é uma ópera”, lembrando Marcolim, um velho tenor italiano., mas meu marido nunca se esqueceu deste frustrado cantor em seus relatos: “ Deus é poeta. A música é de Satanás”...
Nesta teoria de Bentinho, eu, Capitu, cantei todo o tempo... Não foi absolutamente como o Sr Bento Santiago narrou no seu relato infeliz.


A história dele foi desde a gravidez, de expectativa e promessa, pois o primeiro filho de dona Glória nasceu morto; e a resolução depois de ter chorado durante seis dias do nascimorto, foi prometer a Deus, se lhe desse a graça de um segundo filho, e se fosse varão, “metê-lo na igreja” e devotá-lo ao serviço do senhor.
Guardou o segredo e não o revelou nem ao marido, quando vivo. O menino Bento crescia entre os afagos da mãe, tios, agregados.
Dona Glória não matriculou Bento em nenhuma escola, levou-o a aprender as primeiras letras e latim com Padre Cabral, velho amigo de Tio Cosme.
Tudo conduzia ao altar. Na missa de domingo, repetidas vezes dizia: “que era para aprender a ser padre”. Bentinho já estava tão condicionado que vivia me convidando para “brincar de missa” e eu gostava... a hóstia era sempre um doce... e eu servia de sacristão enquanto ele oficiava.
Há certas dedicações terrivelmente castradoras...


Até que um dia, José Dias, o agregado, falou: “ Se eles pegam de namoro”...
Eu não havia pensado nisto... mas me indaguei: Bentinho me amava? E eu, eu amava Bentinho?
Estava louca para falar com Sancha, colega de colégio, minha melhor amiga, sobre isto... mas me contive...
“Conforme Bento- “ eram travessuras de criança”...
Às vezes, perguntava se havia sonhado comigo... Sempre sincero, dizia que não.
Um dia... para provocá-lo, eu lhe falei que os meus sonhos eram mais bonitos que os dele. Ele, pela primeira vez, me pegou desprevenida: disse-me, cheio de ternura, que era porque os sonhos eram como a pessoa que sonhava.
Eu tinha consciência plena da emoção.
A fala de José Dias iluminou minha certeza: Eu amava Bentinho. Bentinho amava-me.
À manhã do dia seguinte a estas minhas reflexões, com um prego, cavava no muro que separava nossa casa da de Dona Glória... nele havia uma porta aberta para facilitar nossos contatos. Não é difícil adivinhar quais os nomes...cavava...e senti meu rosto corar, quando Bentinho entrou de surpresa...mas nem reparou, embora eu ficasse a esconder as palavras...
Ele parecia muito preocupado....desviava o olhar e notei que seus olhos buscavam meus cabelos; eu os tinha grossos, feitos duas tranças. Não ensaiou nenhum gesto. Nunca foi, na verdade dado a qualquer iniciativa... e ele ia balbuciar a notícia, mas eu fui raspar o muro e ele deu um pulo e conseguiu ler, os dois nomes cavados na moldura de um coração: Bento X Capitu.
Nossas mãos foram se procurando, as quatro, ávidas, nervosas, tímidas. Prendi fortemente as dele nas minhas. Elas ficaram unidas, sem esquecimento, sem monotonia, alimentadas de um agrado e de um calor jamais experimentados por mim. Oh, a linguagem das mãos! Os olhos buscavam imitá-las, a entrar uns pelos outros... O que eu sentia era inenarrável..
Meus pais nos flagraram e fingimos estar jogando o siso.
Bentinho, natural, dócil... voltou para sua casa.


Eu permaneci perto de minha mãe, a sempre discreta  Dona Fortunata e de meu pai Pádua, funcionário do Ministério da Guerra.
Muito vai e vem...digressões e análises: Dr Bento esqueceu-se de dizer que ele roeu a si mesmo, durante toda a nossa vida de casados, também por ele corroída.
O seu caráter foi distorcido, tornou-se muito submisso, dominado, a partir da vivência com o autoritarismo e prepotência de sua mãe...
Mas isto não me importa, o que me interessa é a restauração da verdade.
Ele foi o protagonista de sua própria história e agora, além de escrevê-la, tem que a ler...
Vivi calada, mas a mudez não pode existir mais. Não há noite tão longa que não encontre o dia.
Esta visão distorcida sobre o ciúmes de mim... deste “filhinho da mamãe”... apoiado  em tudo pelo pajem José Dias, com relação aos livros, sapatos, o banho, correção na prolação dos sons da fala...criou um homem sem iniciativas próprias, influenciado e transferindo a outrem a decisão de seu destino... desde o fato que já iniciei comentários que o deixava nervoso por precisar ir ao seminário, devido a tal promessa materna. Disse a mim que pensara em envolver o Imperador para que no plano imaginário, convencesse Dona Glória que não o fizesse padre.
Cheguei a saber que Bentinho registrou: “- Capitu era Capitu, isto é, uma criatura muito particular, mais mulher do que eu era homem”.

Mas as recordações... são divinas.... Certa vez houve um encanto de emoção e de envolvimento em que Bentinho foi meu cabeleireiro -  tomou duas porções iguais, para compor duas tranças.
Joguei a cabeça para trás, ficamos rosto a rosto, olho no olho, as bocas uma na linha da outra, a ponto de sentirmos o mútuo calor da respiração e ele pediu: Levanta um pouco a cabeça, Capitu... Não levantei! Fechei os olhos... Aflorei os lábios e... maravilhosa foi a sensação do beijo, longo, úmido... O universo parou naquele instante... Por dentro, eu vibrava intensa e suavemente...
Cheio de emoção e muita confusão na cabeça, acabou chegando à conclusão de que enfim
“era homem”.
E aquele primeiro beijo foi talvez a mais grata e feliz lembrança de todo o meu convívio com o filho de Dona Glória.
No mesmo dia, adormeci, e ao despertar, uma flor rubra desabrochava do lençol... eu era finalmente mulher.
Aquele foi um dia de inaugurações.

Recorrendo ao livro de Salomão, lembro-me, no primeiro versículo do texto bíblico: “Aplique ele os seus lábios dando o ósculo da sua boca”, claro que complementado pelo versículo sexto, capítulo II: “ A sua mão esquerda se pôs debaixo da minha cabeça e a sua mão direita me abraçara depois”.
Eu, muito sonhadora, já me vira no altar, no dia de nosso casamento, tornando-me sua mulher... Jurei, de mim para mim, que padre ou não, haveria de dar-lhe um filho. Cheguei a assustar-me da minha própria ousadia.
Juramos que nos casaríamos somente um com o outro.
Não ouvi observações de minha mãe que em certa ocasião acentuou que eu poderia fazer um bom casamento ou poderia sofrer muito, pois Dona Glória era muito bondosa, mas não gostava de ser contrariada.
A tão indesejada despedida para a ida ao Seminário chegou e em soluços e lágrimas sentia a nossa impotência e minha ira...
Todos representávamos um papel naquela ópera, comparsas na mesma hipocrisia.

A partida de Bento abriu um vazio no meu todo-o-dia. Ele realmente já fazia parte de minha vida, como se integrasse a circulação de meu sangue.

De início ele me escrevia todas as semanas. José Dias era nosso correio secreto.
Ele começou a se preocupar demais com a imagem... Nunca vi ninguém tão preocupado com as conveniências... Um artificialismo o rodeava.

Numa carta descreve um colega de seminário, Escobar, e o elogia em detalhes.
Noutra carta, Bentinho trata de sua relação com Escobar, cada vez mais estreita, como ele mesmo escreveu: “o amigo veio abrindo a sua alma, desde a porta da rua, até o fundo do quintal”.
Fez dele seu confidente, sem qualquer restrição... Senti-me invadida.
Parecia que até se esquecia das antigas amizades, diante de tanta admiração...

Por vezes pareceu-me que Bento habituara-se à vida do seminário. Era um delírio de referência que, sinceramente, me cansava: “os padres gostavam dele, os colegas gostavam dele e Escobar mais do que os rapazes e os padres.” E de tal forma falava do amigo que cheguei a pensar que estava gostando mais dele do que de mim.

A alma humana esconde razões que escapam à nossa visão comum...Observe este acontecimento: Numa ocasião, veio Bento visitar a mãe doente e disse pensar que se a mãe morresse acabaria o seminário, mas a doença não era grave...
Hoje, reportando a nossa história, percebo que foi um adolescente frágil e que a idade não o fortaleceu. Antes, acentuou-lhe os defeitos e diluiu-lhe as virtudes.


Como ele era advogado, conseguia induzir o posicionamento de quem contatasse com seu relato. Eu, contrariando as calúnias, considero que “escrever é uma questão de invenção, não de sentimento”.

Nossa vida com crescente amargura e frustração foi fruto do ciúme... Ele foi vítima de si próprio. Culminou sendo Iago de si, ele sim, dissimulado. Santo Iago... Santo do pau oco.
A história dos três que habitavam meu marido: Bento Santiago, Bentinho e Dom Casmurro faz-me perceber que o sofrimento adolescente converteu-se em prazer mórbido de rememoração. Sua neurose fez com que, em memórias, se deliciasse da própria desgraça. Envenenou-se com a tinta da própria melancolia.

Talvez para minimizar o mérito da minha capacidade de raciocinar, fui julgada... não mediram esforços e artes para insinuarem os aspectos do meu caráter e de meus propósitos.
Tentaram me converter em mulher objeto.
O Sr Bento Santiago, condicionado ao comportamento familiar tradicional, projetava em mim o que era próprio dele. Tudo o que fez deve ter sido por amor, amor a si mesmo, mas enfim amor...

Quanto à importância de Escobar em nossas vidas... eu não tenho como negar. O amigo esperto pôde ajudar Dona Glória a retirá-lo do seminário ao mostrar a solução: “ Sua mãe fez promessa a Deus de Lhe dar um Sacerdote, não é? Pois bem, dê-Lhe um que não seja você. Assim Bento fica livre da promessa. Escobar também saiu, em seguida, do seminário e Bentinho foi para São Paulo fazer Direito, ficando distante mais cinco anos, período em que Escobar se torna intermediário das suas cartas a mim, e me ajuda a conviver com a ausência de meu amado, mas só na Suíça fiquei sabendo que meu namorado, na época, tal pacto de confiança tinha com Escobar, que enviava cópia das cartas que eu recebia... para Escobar... Ri tristemente ao constatar isto. Que imaturo!
Como Jacó, que serviu outros sete anos, feliz na contemplação da mulher amada. Eu servi cinco anos de saudades de Bentinho por não vê-lo durante o período em que cursou Direito em São Paulo.
É vezo da cultura ocidental, nos tempos bíblicos e nos clássicos, infelizmente, a mulher não ter vez nem voz... talvez porque o registro dos fatos tenha sido mediado pelo homem.
Não posso transformar em tese, mas Bentinho sempre fora impulsivo; na aparência um lago tranqüilo, mas bastava a menor brisa, para desencadear ondas tempestuosas. Foi o caso de explodir, irado, a criticar a nudez de meus braços em um baile, pelo olhar de cobiça de todos os homens do salão.

Após o período do curso, Bentinho volta, bacharel em direito, com vinte e dois anos. Não sei explicar a sensação. Bentinho sendo o mesmo, parecia-me outro.
Eu estava no mesmo plano de seu diploma de advogado. Ele preferia falar de mim a estar comigo.
Precisava convencer a mãe a permitir que se casasse e mais uma vez ... a decisão estava na dependência do outro.
Ela desejava ter uma nora perfeita: “boa, discreta, prendada, amiga”...
Casamos!
Era março de 1865. Entardecia e uma chuva forte desabava... embora eu preferisse S. Francisco de Paula - venceu a opinião da mãe – na igreja da Glória. Eis apenas uma minúcia. Eu me sucumbi...
Era como se eu estivesse vivendo um sonho...
Na intimidade... nunca pude  aproximar-me calorosamente com meu corpo e carinhos a ele, que ele dizia: -“ Componha-se D. Capitolina, não fica bem para uma senhora...” ele me admoestava carinhosamente.
Convidou-me, ainda no quarto nupcial, a ouvir a passagem bíblica, que não esquecerei jamais: “-As mulheres sejam sujeitas a seus maridos... não seja o adorno delas o enfeite dos cabelos riçados ou as rendas de ouro, mas o homem que está escondido no coração...Do mesmo modo, vós maridos, coabitai com elas, tratando-as com a honra, como a vasos mais fracos, e herdeiras convosco da graça da vida”...Explicou que se tratava da primeira epístola de São Pedro...
Eu, para ajudá-lo, disse-lhe: Tenho uns versos para homenagear o porteiro do céu e também a você, meu marido; citei a Escritura: “- Sentei-me à sombra daquele que tanto havia desejado”.
Ele tomou-me as mãos e beijou meus lábios com fervor... só lhe digo que o que senti estava longe do que habitava meu sonho e minha imaginação.
Não fugimos à regra da maioria dos recém-casados.
O fato é que eu ansiava pelo gozo do amor de que tanto falava Sancha e de que eu tivera também notícia nas leituras proibidas no colégio, mas não o experimentei, na primeira noite. Esperei a segunda; Bentinho foi açodado, beijou-me lentamente os pés, braços, lábios; mas quando comecei a experimentar um leve mover de onda, como algo a fluir, já tudo estava consumado.
No terceiro dia dormimos cedo. No quarto comecei a sentir saudades de meu pai e ansiei, confesso, pela conversa com Sancha e com dona Glória.
Não sabia como dizer-lhe da minha frustração. Dissimulei conscientemente.

Não falei do assunto nem com ele nem com ninguém. Afinal. Sou a criatura que sou. E quem sabe Sancha não estivesse fantasiando. Resolvi aceitar a situação como se apresentava e nossa intimidade noturna foi pouco a pouco reduzindo-se. Acomodei-me, sem estímulos.
Íamos vivendo: “As mulheres sejam sujeitas a seus maridos”.
Dois anos se passaram. Só um desgosto nos turvava: não tínhamos filhos. A felicidade de nossos amigos Sancha e Escobar, que haviam se casado, foi ampliada com a vinda de uma filha. A recém-nascida ganhou o meu nome... A única no mundo...além de mim a se chamar Capitu, tamanho o estigma e não enigma como pensam. A vida foi passando.
Num dos bailes... dancei muito... inclusive com Escobar e no dia seguinte, encontrei o meu vestido de baile destroçado a cortes de tesoura...

Não fazia comentários apesar do clima de hostilidade em que vivíamos...
Finalmente engravidei. A nossa vida se completaria. Deus sabe o que eu fiz para que esse sonho se concretizasse.
Os primeiros meses do nenê foram os melhores de nossa vida comum.
Escobar chegou a lembrar a hipótese de casar nossa filha com sua filha, Capituzinha. Bentinho emocionou-se até as lágrimas. À noite comentou comigo e concluiu: “ –A amizade existe, Capitu”.
A madrinha... Dona Glória  ao ser consultada sobre Dr. Escobar ser padrinho de nosso filho, foi taxativa: Quero que seja Dr Cosme.
Outro desencanto sem mágoa. O choque não impediu de sugerir-me que déssemos ao menino o nome de Escobar.
O céu abençoava o fruto que no inferno ia amadurecer.
Ezequiel chegou aos cinco anos... sem novidades...mas lembro-me bem deste fato, agora...Viu um gato que tinha entre os dentes um rato. Bentinho quis espantar o bichano e ele não permitiu. Fez sinal para que silenciássemos. Ele se deliciou com os últimos guinchos do rato agonizante. Bentinho irritado, bateu palmas e o gato fugiu. “Ezequiel ficou abatido:- Ora, papai! Eu queria ver!” o pai limitou-se a rir.
Hoje à distância e depois de tudo que veio a acontecer, não posso furtar-me a uma conclusão:-“saíra ao pai”.
Certa noite, enquanto cães faziam barulho na rua, Bentinho envenenou bolas de carne e saiu também para matar os cães, não o fez...mas posso imaginar sua luta interior... O homicida latente era mais fraco que o homem inseguro e tímido, mas o instinto destruidor estava lá, a corroer-lhe a alma...

Eu devia esta minha exposição que estou fazendo agora a mim mesma e às mulheres de todos os tempos, não era justo que a fala de meu ex-marido se eternizasse sem contestação. Afinal a palavra é risco e jogo.
Claro que fiquei perplexa diante das insinuações, mas conservei a serenidade. Minha alma nunca foi atormentada..
A confusão era dele, irritava-se com tudo. Sempre que Ezequiel estava a me fazer carinho, dava um jeito de impedi-lo. Implicava com meus vestidos, não queria que conversasse com vizinhos, proibiu-me de visitar Sancha, passou a voltar do escritório nas horas mais descontroladas.
Mas a insegurança, pensava, é melhor que a indiferença.
Devido ao nosso filho gostar de fazer imitações, comentei que tinha semelhanças com o Escobar, nosso amigo... Abençoadas palavras!
Dóceis, mais se usadas com habilidade, podem  tornar-se afiadíssimos instrumentos de destruição, a mais certeira das armas e assim a semelhança com Escobar tornou-se fixação na idéia de Bentinho.

Em contraposição... a solidariedade... Após minha mãe, meu pai também morrera... e Bento cuidou de tudo com esmero...


Eu acreditava na sinceridade da emoção de Bentinho... Seu rosto transtornado, por outra morte... todos pensavam que fosse tristeza... as afeições ultrapassam o tempo...
Escobar morre afogado...
Diante do caixão. Rompeu-se o fio tênue de meu casamento, pois concluí que era casada sozinha, perdi definitivamente meu marido e nem sequer dei conta.
Deixei escorrerem lágrimas, poucas e silenciosas...
Meu alucinado esposo viu no meu olhar a marca da traição, o sinal da culpa por ele buscada em mim, durante todo o tempo. Ele estava ali, diante de mim, estranho a mim.
Dias depois Sancha mudou-se para o Paraná.
Senti-me desamparada e só.
Convivi com um ser dividido, um homem que chegou a pensar em nos matar.
Nossa vida conjugal chegava ao limite. Resolvi proteger meu filho. Propus que fosse ao colégio interno.
A solução do internato, se melhorou a situação de Ezequiel, só fez agravar a minha.
Bentinho não conseguia mais controlar sua aversão.
Pensei em procurar Dona Glória, mas concluí que seu amor... pelo filho não a deixaria compreender.
Ademais, um bilhete que encontrei por acaso na mesa do gabinete de Bentinho, revelou-me que a estava fazendo confidente de suas dificuldades.
Atônita... a Capitu de Matacavalos parecia ter adormecido dentro de mim.
Precisava me distrair... e fui ao teatro. A peça era Otelo, de Shakespeare... Senti-me a própria Desdêmona, padeci com ela, assumi com ela a perplexidade, com ela morri nas mãos do homem amado.
Na peça de minha vida havia um detalhe: Otelo e Iago eram a mesma pessoa...
Diz Bento em um dos autos  que quase o levei a se suicidar, mas para mim não passou de um teatro... Faço esforços para crer que, em algum momento lhe tenha passado pela cabeça dar cabo da existência...

Esgotaram-se as possibilidades do suposto casamento, que jamais se concretizara pela apresentação da falsa identidade de meu marido...
Não podia mais continuar... assumi mais uma vez a responsabilidade por ele.

Ao refazer o percurso de minha vida e tomar conhecimento de suas denúncias caluniosas, dou-me conta de que nunca o tive plenamente. Dividi-o com a mãe, com o agregado José Dias, com o amigo Escobar. A dualidade e a insegurança foram os alimentos constantes de sua infelicidade.
A solução foi viajarmos os três para a Europa: eu, Ezequiel e Bentinho. Mais uma vez salvam-se as aparências dos conservadores: Como poderia a família do Dr Bento Santiago desagregar-se? O que pensariam os amigos?

E a simples proposta da ditadora dona Glória: eu ficaria na Suíça, com Ezequiel. Ela ajudaria no que se fizesse necessário. Por exigência minha, acompanhou-nos uma professora do Rio Grande; ela cuidaria de ensinar português a Ezequiel...
Bentinho retornou ao Brasil e reassumiu o trabalho. Não foi sem dor que o vi partir. Procurava entendê-lo. Não tive forças para mudá-lo em sua essência. Há almas empedernidas. Nem tudo pode o amor.
Foi um período de luto... mas adaptei-me à nova vida. E a Europa era um lugar maravilhoso... com um pouco de sol e do mar do Rio de Janeiro chegaria perto do paraíso.
A saudade era forte e poderosa, mas não déramos certo como marido e mulher... Mesmo tendo sido amigos... Há pessoas para as quais a única possibilidade de reconciliar-se é a separação.
Ele sempre foi rancoroso e empedernido... embora viesse repetidas vezes à Europa com o pretexto de nos visitar, nunca o fez...

O tempo curou-me. Esqueci as acusações e as mágoas e, por isto, só agora consigo abordá-las...
Ezequiel formou-se em Arqueologia...
A vida segurou, como sempre, seu curso sistemático e regular como um relógio Suíço. Meu filho foi o meu melhor amigo que tive na vida. Fiquei com a melhor parte do casamento.

Eu, bem... li muito, dediquei-me a Ezequiel e envelheci...
Mas revelo: Fui morrendo aos poucos de saudades, menos de Bentinho, ou de quem quer que seja... Morri de saudades do amor que alimentei desde a infância, ao qual eu fui fiel durante toda a vida e que o trouxe comigo para a eternidade.
Eu fui uma mulher feliz, enquanto amei e fui amada. O meu Otelo é que, como o outro, não soube lapidar o diamante que tinha em suas mãos...
...afinal, diante de tudo que vivi e li nas denúncias de Bento Santiago, chego à conclusão de que, por incrível que possa parecer, ele se separou de mim por excesso de amor.
Explico-me:
No derradeiro registro de suas memórias insinua que não conseguiu “esquecer a primeira amada de seu coração.”
Ele sim traiu o amigo, que o admirava; traiu a mulher que o amava; por fim, traiu-se a si mesmo.
Ele me colocou no coração e na alma todas as razões para traí-lo, mas eu o deixei por absoluta incompatibilidade amorosa. Não suportava as mágoas e o desprezo...
E, ao término deste meu relato, se você lembra bem Bentinho menino, há de concluir comigo com as mesmas palavras dele:-“que o fruto que estava dentro da casca era o Dr Bento Santiago”.
Faço minhas, por fim, as palavras do salmista Davi, Salmo 63, e deixo-as à sua meditação: “E as suas línguas perderam a força, voltando-se contra eles mesmos. Todos os que os viam ficaram assombrados.”

“Infiel é a vida...
Eu sou a imagem da vida”.
Muito obrigada, excelência!

O juiz toma a palavra:

-Diante de tal circunstância, retornamos ao processo de julgamento da senhora Capitolina Pádua Santiago.

(Os jurados votam e o juiz recolhe as cédulas dando um dos  resultados, a seguir, após abrir cada cédula).

-Conforme a manifestação do júri aqui presente, a senhora Capitolina Pádua Santiago foi considerada inocente do crime.
                                Ou
-Conforme a manifestação do júri aqui presente, a senhora Capitolina  Pádua Santiago foi condenada à eternidade de reclusão por ser considerada adúltera.

Botucatu, 07/09/08.
10h
Inverno
Capitu em falas

Morri de amor
Não há enigma em minha história...                           
Há estigma na nora inglória...
A marca da mulher “adúltera”
Depreciou meu nome inocente
Que sem reputação... a todos chocou...
Além de minha afilhada...
Jamais posto em alguém...
Morri rara na espécie desumana.
A palavra de marca infamante
de saudades do amor me matou
Foi para sempre incandescente...
No fogo que me colocou...


Carmem Lúcia






Suposto adultério

Saí dos limites da literatura.
Hoje sou forma-mentis...
Tornei-me viva.
na releitura instigante,
na trama com ‘as flores do rancor’
E na perda da ‘força do perdão’...
O amor e o ciúme
Julgam numa cortina
Qual é minha verdade...
E questionam ‘o fruto está dentro da casca’?
Máxima referência humana: o mistério...
Condenada por um suposto adultério...

Carmem Lúcia
 
Carmem Lúcia 

O texto abaixo foi escrito após a leitura dos diamantes do auto-conhecimento - dinâmica desenvolvida - feitos pelos participantes do Workshop: "Defesa da Capitu", em Dois Córregos, situação em que foi refletida a intenção de Machado de Assis sobre o tema adultério, acompanhada da análise psicológica das personagens, e, assim, incentivar a cada um que busque seu eu central, que se questiona, num intenso movimento interior.
 
Diamante do autoconhecimento

Em meio à multidão de idéias
A vida e os riscos,
Os sonhos e os rabiscos...
No diamante do auto-conhecimento
Em que a fonte é mais que o momento.

Da traição em Dom Casmurro, só desculpa
Para a ansiedade frágil sentir-se oculta
E só ao criar raízes na psique
Além da ficção...
Do workshop  à reflexão.


Em Dois Córregos,
Na Usina de Sonhos...
Chegamos do  externo ao interno...
A mente  mais generosa e crente
No semblante de tanta gente diferente...

Agora... com  segredos em  porta-joias
Compõe-se melhor a Capitu
E quem sabe recheada ...
Em elo com Botucatu
Obra inacabada.

Absolvida por unanimidade
Partiu "daí" mais comprometida
E se da essência pessoal conseguiu emergir o que sente
E o estranho de si abolir
Jamais há de fugir por difamação aparente...

Todos somos o que somos,
Isto dá a liberdade de pelos sonhos partir
E na honra pessoal priorizar
De braços dados o interno e o externo
Na leitura o ser  transformar.

Carmem Lúcia




Capitu traiu ou não? (texto adaptado de leituras diversas) 
“Capitu pertence ao grupo de personagens que se impõem ao companheiro masculino e passam a encarnar alguma qualidade considerada peculiar à mulher, característica de um comportamento ou atitude, tornando-se, por esta razão, de alguma maneira exemplar e representativa.”
No livro: Dom Casmurro as personagens Bento e Capitu tornam-se mais conhecidas que a história de que participam e encarnam procedimentos e conceitos que extrapolam o livro em que aparecem.
Seria a narrativa inventada por Machado de Assis fruto de sua habilidade artística, apenas? Haveria referência à vida real ou a outras obras?
A história é contada por Bento Santiago, idoso e desiludido com fatos que acredita que a vida lhe aprontou. “Dom Casmurro”, apelido conferido a ele por um poeta, incomodado com a reação de Bento, que demonstra desinteresse e enfado ao ouvir poemas do outro, é sintomático o estado de espírito na velhice e de sua solidão. A história é cheia de encanto, pois apresenta o desdobramento de um amor adolescente: a descoberta da paixão por Capitu, os impedimentos que afastam os dois jovens, a luta para superar os obstáculos familiares e religiosos, o casamento e seus resultados.
As ações próprias ao romance romântico são reconhecidas no enredo: dois jovens que se amam sofrem pelas circunstâncias alheias a eles às quais dificultam a vida em comum deste par apaixonado. As circunstâncias são muito comuns: Capitu é pobre. Bentinho é rico. Machado introduz um tempero a mais, como suplemento: a promessa da mãe de Bentinho, feita quando este nasceu, proíbe o casamento do filho, pois será padre.
As ações de apresentação dos problemas e busca de solução até chegar ao final desejado é que preenchem dois terços da narrativa e caracterizam o célebre casal: Bento e Capitu, exemplo de obstinação amorosa, perseguição do objetivo e alcance do desejado, apesar dos oponentes...
Não houve ‘happy end’ como de esperar devido à surpresa final do casamento frustrado pela suspeita e depois certeza suposta, por parte do ciúmes de que o filho é filho de Escobar, seu melhor amigo.
A narrativa dos acontecimentos vai quebrando e desarticulando a imagem romântica vinda daquele amor proibido.
O narrador-personagem, Bentinho, não consegue convencer o leitor de que suas acusações são justas e Capitu torna-se a personagem mais controvertida e enigmática da literatura brasileira.
Na sequência, Capitu é acusada pelo marido e passa ao papel de mulher adúltera.
Bentinho, um homem atraiçoado pela esposa e pelo amigo, sente-se vítima da vida e se desilude, vive sem ideais e na solidão.
Todo o glamour romântico que imita o amor adolescente é trocado pela amargura, julgamento e solidão.Este casamento não se desfez apenas pela traição, mas pela dissimulação de Capitu ao ser julgada em adultério com o melhor amigo do marido, o Escobar.
Desde o início do romance, em que Capitu aparece como ‘oblíqua e dissimulada’, capaz de fingir sedução para alcançar seus objetivos; e Ezequiel, filho de Bento e Capitu, assemelha-se fisicamente a Escobar, parecença confirmada mais tarde, quando Bento o reencontra jovem.
Bentinho não convence o leitor de que Capitu o enganou; Escobar já está morto quando o marido acusa... e Capitu nega até o final. Além disto o leitor deixa-se seduzir por Capitu, somando a falta de evidências do crime, podendo assim amenizar o julgamento. Há a conquista do leitor.
Machado foi muito criativo, na sociedade brasileira do século XIX, em que o conservadorismo e machismo prevaleciam e justificavam ter todas as razões para rejeitar a mulher que o enganou.
Ao longo de 148 capítulos, Bentinho conta, em primeira pessoa, sendo provável que o seu ponto de vista, imparcial, possa convencer o leitor, mas impõe a barreira do silêncio para a personagem Capitu... que não recebe crédito ou palavra de defesa.
O processo de sedução, embrenhado na força que envolve a imagem do amor adolescente com toda energia que ultrapassa as dificuldades... pára... Capitu permanece a mesma do início ao final... cativando até o frio José dias, agregado da família de Bentinho.
O interesse do leitor talvez seja por ele poder dar o final que queira, sendo co-autor/criador do desfecho... O problema não é resolvido...
A acusação que separa os dois personagens mais ilustres da literatura brasileira mostra que as relações humanas podem ser, por um mito ou um equívoco de comunicação... ou por um impulso...bloqueadas e responsáveis pela infelicidade, solidão e insegurança na trajetória toda da pessoa... tanto a que acusa quanto a que é acusada.Vive, mas perde a linha de ida que só a vida tem... impedindo o progresso, por esta barreira, a partir do pessoal ao familiar...
Seria a vida diferente se houvesse melhor comunicação... ou, assim, pior por serem tomadas decisões radicais?
O perdão e o ouvir o outro podem ser lenitivos confortantes e reconduzirem... aos acontecimentos naturais...
Helen Caldwell demonstra as impregnações Shakespearianas do romancista brasileiro, além de tentar, imaginosamente decifrar alusões escondidas por detrás dos nomes próprios empregados por Machado de Assis. Assim : Santiago seria composto de Santo+Iago, fusão do bem e do mal que existem em cada um de nós, já que em Othelo, Iago representa a consciência perversa que atormenta o bom Othelo.
Machado de Assis restaura a seu modo o triângulo amoroso, um dos mais fortes componentes da tradição romanesca. Entretanto, ocorre uma triangulação ideal que traduz a certeza de uma mente conturbada, a de Bentinho, que resulta o seu discurso mesclado de subjetividade e de ressentimento...
Um caso de memórias.... que nos intriga: por que relatar um fato passado para restabelecer a verdade, ainda que esta não passe de uma transitória e vulnerável verdade subjetiva?
A arte de Machado de Assis faz-nos ver um duplo, ambiguidade... nos três que são a parte nuclear do romance: Bento-Capitu-Escobar.
Numerosas reflexões sobre a arte de escrever e de narrar podem ser encontradas ao longo de Dom Casmurro. Por exemplo, a questão do estilo equilibrado entre o aticismo do documento e o asiatismo da paixão incontrolada: ‘ Há nisto alguma exageração; mas é bom ser enfático, uma ou outra vez para compensar este escrúpulo de exatidão que me aflige. Entretanto, se eu me ative só à lembrança da sensação, não fico longe da verdade; aos quinze anos, tudo é infinito’.(capL)
O narrador delega ao leitor a tarefa de preencher as lacunas, pois ‘ tudo se pode meter nos livros omissos’( v.cap.LIX). a seguir, no cap LX, vamos encontrar uma espécie de profissão de fé no realismo interior: ‘ Já agora creio que não basta que os pregões de rua, como os opúsculos de seminário, encerrem casos, pessoas e sensações; é preciso que a gente os tenha conhecido e padecido no tempo sem o que tudo é calado e incolor’. E adiante, o relator bate tecla da ambiguidade, acentuando, como é do seu gosto, a natureza relativa das coisas, vida e arte: ‘...mas nem tudo é claro na vida ou nos livros’. (cap LXXVII).
Há também a interpretação de que a personagem narradora intenta redimir-se de um fracasso contando-o enfaticamente, sob a forma de um memorial de acusação, e assim toda a galeria de personagens, coada por uma sensibilidade, busca projetar-se na consciência dos destinatários da mensagem, os leitores.
O capítulo: ‘Os vermes’ contém uma forte representação da impassibilidade do tempo em seu fluir, inteiramente indiferente às substâncias dos textos ruídos, mas a vacuidade dos textos e da força vital  não se mostram suficientes para conter o impulso da escrita.
A elaboração prospectiva da imaginação se alimenta em grande parte dos resíduos acumulados da memória; “Donde concluo que um dos ofícios do homem é fechar e apertar muitos olhos, a ver se continua pela noite velha o sonho truncado da noite moça’ . (cap.LXIV)
Sendo o núcleo do núcleo narrativo o depoimento de Bentinho, personagem narradora, podemos admitir que seu discurso contém um problema de identidade e de autoconhecimento. Vale dizer que a confissão literária é o veículo atravessado pela reflexão da personagem sobre si mesma.
Se os motivos do Panegírico de Santa Mônica (Cap. LIV), do soneto (Cap.LV)
Não deixa de exaltar na arte uma ilusão às traições da vida.
O drama do autoconhecimento implica uma captação contínua da própria imagem buscada nos olhos dos outros. Então, conhecer-se ficará dependente do reconhecimento praticado pelos outros.
Há idas  e vindas em busca do ‘eu central’ que se questiona... num intenso movimento interior...perdido...
Bentinho tem atitudes de ter seu ‘eu’ distribuído nas personagens que o cercam... em partículas e impressões ao dar satisfação e viver pelos outros...
E para recompor-se de seu fracionamento... este homem fragmentado, apela para a colaboração de todos... Destina-se a perpetuar... como vítima coreograficamente, perante as gerações. Dançando significados diferentes, enquanto ensina, comove e deleita...
Carmem Lúcia
Minha alma
Minha alma flor
Minha alma borboleta
Minha alma Vênus Capitolina
Minha alma cheia de mulheres
Escolhe ser só menina
Com nexo, sexo, coração, mente
Entre idas e regressos
Sujeito e objeto
Explora todas as possibilidades do sentir
Antes fechada... hoje liberta...
Entregue à sensações inimaginadas
Devolve a si a hora, o minuto, o segundo
Sem dúvida exprime o universo interior
E entrega-se de novo ao amor.

domingo, 30 de janeiro de 2011

INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA DO SUL

INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA DO SUL
23/07/2009
PALÁCIO ITAMARATI
RIO DE JANEIRO-RJ

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES

FUNDAÇÃO ALEXANDRE DE GUSMÃO
PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO: EMBAIXADOR JERÔNIMO MOSCARDO

A FUNDAÇÃO ALEXANDRE DE GUSMÃO, INSTITUÍDA EM 1971, É UMA FUNDAÇÃO PÚBLICA VINCULADA AO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES E TEM A FINALIDADE DE LEVAR `A SOCIEDADE CIVIL INFORMAÇÕES SOBRE A REALIDADE INTERNACIONAL E SOBRE OS ASPECTOS DA PAUTA DIPLOMÁTICA BRASILEIRA. SUA MISSÃO É PROMOVER A SENSIBILIZAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA NACIONAL PARA OS TEMAS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E PARA A POLÍTICA INTERNA BRASILEIRA.

ANEXA A LISTA DOS DEBATEDORES

Fundação Alexandre de Gusmão

Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais

IV Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional – IV CNPEPI
“O Brasil e o mundo que vem aí.”
Seminários Preparatórios

Seminário sobre Integração da América do Sul


Data: 23 de julho de 2009 (quinta-feira)

Local: Palácio Itamaraty Rio de Janeiro, Salão Nobre da Biblioteca

Horário: 9:00

Programa:

9h – Abertura
Embaixador Jeronimo Moscardo
Embaixador Carlos Henrique Cardim

9h30 – Debate

Debatedores

Ana Maria San Juan (Universidad Central de Venezuela)
Carlos Bruno (Fundação Cenit, Argentina)
Carlos Lessa (UFRJ)
Darc Costa (UFRJ)
Gerardo Caetano (Universidad de la República, Uruguai)
José Tavares de Araújo (CINDES)
Milda Rivarola (Academia Paraguaia de História)
Paulo Borba Casella (USP)
Reinaldo Gonçalves (UFRJ)
Renato Baumann (CEPAL)
Ricardo Carneiro (Unicamp)
Ricardo Markwald (FUNCEX)


Comentários sobre o Seminário
( presença dos debatedores e embaixadores)

O Embaixador Jerônimo Moscardo, que nos convidou para o evento, era o anfitrião... e teceu sua leitura da situação atual interna do Brasil... denunciando falta de diálogo e conforme suas palavras “ cada estado brasileiro é um país com alfândega”. Acentuou acreditar não haver fronteira mais dramática que a existente entre São Paulo e Minas Gerais. Nomeou o encontro de “Centro de Reflexão” e abriu o debate com o questionamento frente à desintegração.
O Embaixador Carlos Henrique Cardim, que é descendente de Botucatu, foi o mediador do debate.
Dentre os debatedores foi quase unanimidade o comentário de que o cidadão jamais pode ficar ausente no processo de integração e que o mesmo ocorre a partir do indivíduo e de sua participação.
Hélio Jaguaribe, Membro da Academia Brasileira de Letras, presente, é citado em sua entusiática frase:”O meu otimismo é hormonal!”. Sentimos que os ânimos são de foro íntimo, mas fundamentais nos projetos além do pessoal, e o Embaixador João Clemente Baena Soares ainda acentua: “ Meu otimismo está entre o hormonal e o epidérmico!.”
Foi  abordada a necessidade de políticas regionais para a integração também regional,
pois os interesses não são diferenciados e assim podem se homogeneizar.
Mesmo a integração sendo meio e recurso de desenvolvimento com exemplos de fontes históricas, houve teorias informativas mostradas em  situações em que o êxito comprovado em melhoras das condições econômicas sofre entraves consideráveis por
 conflitos internos entre os estados e externos, como o citado entre Brasil e Argentina. Diante disto o Brasil é o maior motor de integração por ter mais de 50% da população da América do Sul e isto equivaler a mais de 50% do PIB.
“Conclui-se que a Integração das Américas tem a ver com todos nós...”
O que mais nos sensibilizou, após citação de outros fatos históricos de Integração, é que diante de alto nível acadêmico, político, e de seriedade do debate... a busca de “UNIÃO” no Itamaraty foi “pacífica” e com os  valores voltados para se construir “as esperanças do século XXI e não os medos de 1945.”
A escolha não sendo ímpar, cada país tem  que focar o sistema de dimensão internacional nos interesses nacionais... e não há quem bloqueie o processo, pois o mundo não espera inserção... ele vai crescendo diante das semelhanças e
  nem nos damos conta...
A INTEGRAÇÃO é, então, a abertura para uma cadeia de inovações complementares voltadas, inclusive, para a mola principal: a produção centrada na incorporação da  cidadania.
Carmem Lúcia / Botucatu, 27/07/09.

NO ITAMARATI

Enquanto a Integração se revê
Na política das diferentes Diplomacias...
Há arquitetura além dos  reflexos nos lustres...
E a acústica das Américas...
Vai encontrando corpo, frequência e sintonia...
Na “Casa do Barão”.
Acostumado a criar e aparar arestas
De dimensão internacional...
Um Embaixador... entusiasta...
Promove  integração
Suas estratégias sem xenofobia
Desfocam a hegemonia
Mesmo entre  fronteiras antagônicas
Lança paradoxo para busca de objetivos comuns.
Neste fermento
Fomento...de amor
Em que o Brasil-protagônico é motor...

Carmem Lúcia
Para o EMBAIXADOR JERÔNIMO MOSCARDO
Botucatu, 24/07/09


Da cobertura do Miramar

Da cobertura crepúsculo
Vejo brasas nos faróis
E o uohhhhh das ondas que quebram na praia
Ecoam:“Pão de Açúcar”!
O céu mais próximo,
As imagens  preenchem da terra ao firmamento...
Em elo o Redentor ao pensamento...


Miro o mar

Miro o mar
Do 15º em  Miramar.
Entre a brisa e as estrelas...
Torpedos do lar...
Tranqüilos lampejos de laços
A espera, em 23, do Palácio
Esta terra que era só de Machado
Faz-me em política envolver.
De um Festival poético
O vôo... profético...

Emoções ao voar pela primeira vez

Meu Deus!
Entrei nas nuvens...
Voei na 7F...
E de cima... ave...
Com asas!!!
As águas divisórias...
Cidades e montanhas...
Predominância verde e azul...
Reflexos do sol... também de cima...
Aparelhos a conduzirem por um tempo
“flashes” e pensamentos...
Raios em cristal contornando ilhas...
Cheiro de vapor...
 Na orla, barcos,
Na terra, construção...
Cristo me recebe
Com braços abertos!!!
Lágrimas de emoção...

Aterrissagem

Aterrissagem n’água!
Quase um mergulho...
Nada antes assim!
Vivi mais uma vida
Que havia dentro de mim...

Nas nuvens

Estive nas nuvens... no mar...
E agora na janela do 11º andar
Copacabana cabe em meu olhar.

Horas e horas

Fiquei horas e horas
A ver o que se passa na orla...
Entre a natureza e a criação humana
A diferença é a agitação.
Uma em sintonia... harmonia... melodia...
Sempre o ritmo repete,
A outra... em desarmonia...só compete...






Olhar

Hotel à beira mar,
Hotel Miramar,
Hotel que posso Copacabana olhar...
Cobertura de panorama sem igual...
Orla e progresso:
Humano e sobrenatural...


Retorno

Incríveis as nuances...
Conforme a inclinação
As nuvens parecem chão
E a camada de reflexos do entardecer
Alaranjam o horizonte
Há flocos de algodão no ar...
Sobre os montes...
O Rio de Machado...
Fez de mim um ser alado.

Voo sobre São Paulo

Mais de 700 km/h
Acima de 8000 m de altura
E sóbria... e segura...
Parecia imersa no útero de minha mãe...
Nem me imaginava tão completa!
Uma seta a se projetar
Sobre o mundo... a viajar...
Em êxtase meu ser
Tento tudo ver!
Nem tudo cabe em meu olhar...






Carmem Lúcia
Da Academia Botucatuense de Letras



Botucatu, 24/07/09